Ameaçado de extinção, pela pesca predatória, o pirarucu é muito consumido na região norte. Além de ser o maior peixe de escamas de água doce do mundo, ele pode atingir até três metros de comprimento, e mais de 200 quilos.
Em 12 anos, a população de pirarucu cresceu 631% nas três terras indígenas dos Paumari do rio Tapauá, no sul do Amazonas. Enquanto em 2009 foram contados 251 indivíduos, em 2021, o total foi de 1835 – isso em apenas 16 lagos monitorados no período.
O manejo sustentável do pirarucu, atividade desenvolvida pelos indígenas com apoio do projeto Raízes do Purus, conta com patrocínio da Petrobras para fortalecer a gestão sustentável e a proteção da biodiversidade em seis terras indígenas no sul e sudoeste do Amazonas, contribuindo para a conservação de mais de dois milhões de hectares de floresta.
Desde 1996, quando, em resposta ao quase desaparecimento da espécie, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) proibiu a captura e comercialização do pirarucu no Amazonas, a sua pesca foi limitada a áreas de manejo sustentável, autorizadas pelo órgão.
A cada ano, as comunidades recebem a autorização do Ibama para pescar uma cota de 30% da população adulta de pirarucu, com no mínimo um metro e meio de comprimento. As regras garantem que, mesmo com a pesca, a espécie consiga recuperar e aumentar a sua população por meio da reprodução natural.
O manejo sustentável fortaleceu a organização coletiva dos Paumari para o controle da pesca em seus territórios, e impulsionou a estruturação de um sistema de vigilância comunitária eficaz na proteção dos lagos, locais de maior concentração de pirarucu. “Hoje, os Paumari têm uma excelente capacidade de gerir e proteger suas terras”, afirma Gustavo Silveira, coordenador técnico da Operação Amazônia Nativa (OPAN), instituição à frente do projeto Raízes do Purus, que, desde 2013, apoia esta iniciativa dos Paumari.
Com um sistema de vigilância consolidado, que conta com sete bases flutuantes posicionadas em pontos estratégicos das terras indígenas, os Paumari conseguiram conter a pesca predatória e ilegal do pirarucu e de outras espécies nas áreas protegidas, revertendo a situação de escassez de peixes encontrada em meados dos anos 2000, quando era comum a entrada de barcos para realizar a pesca de larga escala nos territórios. O período de reprodução dos pirarucus não era respeitado, e indivíduos de todas as idades, inclusive filhotes, eram pescados indiscriminadamente. “Chegou um momento em que quase não tinha mais peixe nos lagos”, lembra Germano Paumari, professor e coordenador financeiro da Associação Indígena do Povo da Água (AIPA).
Atualmente a vigilância dos territórios envolve a maioria das famílias, que se alternam em turnos de uma semana nas bases flutuantes, nos períodos de maior ocorrência de invasões. “O trabalho de proteção é importante, porque, hoje, a gente tem a nossa alimentação garantida. Sem vigilância, os invasores vão entrar, e o peixe vai acabar de novo”, destaca Francisco Paumari, uma das primeiras lideranças a apostar no manejo como caminho para melhorar a qualidade de vida do povo. Além da escala de plantão nos flutuantes, as comunidade aproveitam outros deslocamentos pelos territórios para vigiar as áreas mais vulneráveis à pesca ilegal.
Quem vê a estrutura com a qual os Paumari contam hoje, não imagina as dificuldades enfrentadas no início do manejo. “A gente acampava nos barrancos na beira dos lagos e rios para vigiar. Pegava chuva de dia, de noite. Sofremos bastante. Agora temos as bases flutuantes, e se a gente passa a noite acordado, tem um lugar confortável para descansar no decorrer do dia”, comemora Francisco. As melhorias estruturais, como os dois flutuantes de vigilância adquiridos com recursos do projeto Raízes do Purus, engajaram mais pessoas no trabalho, que foi incorporado à rotina das comunidades.
Desde 2013, os Paumari realizam, uma vez por ano, a pesca da cota de pirarucu autorizada pelo Ibama, e comercializam o pescado, gerando renda para as comunidades investirem na vigilância e em itens que melhoram a sua qualidade de vida, como motores de popa para as canoas – que reduzem o tempo de deslocamento nas longas distâncias amazônicas –, rádios e painéis solares.