As geleiras podem contar muito sobre a história do clima da Terra. Sua imponência reflete a mensagem de força e resistência, não apenas do gelo, mas de todo o planeta e seu ecossistema perante a ação humana de descuido com o meio ambiente.
De acordo com a pesquisa Wellcome Global Monitor 2018, 35% dos brasileiros não confiam na ciência, e 1 em cada 4 consideram que a produção científica não traz benefícios ao país. Em um cenário como este, os estudos e dados são deixados de lado pelo interesse humano, que se reflete não na busca pela verdade, mas no comodismo em negar que suas ações fazem mal ao planeta.
Argumentos são utilizados para refutar pesquisas científicas e o alarme é abafado com justificativas que distorcem teorias. Por esse motivo, se torna cada vez mais importante esclarecer alguns pontos sobre como a natureza pode ser feroz com as consequências, afinal, para toda ação, existe uma reação.
As geleiras pedem socorro em uma redução drástica de seu volume, que pode ser vista em fotos e registros científicos. Porém, muitos não acreditam nessas evidências.
A importância das geleiras e porque significam vida
Geleiras são camadas de gelo sucessivas que se formam durante muitos anos em determinados lugares da Terra, onde o degelo é mais dificultoso na região. Para que elas existam, a temperatura precisa estar abaixo de zero, já que é a partir daí que a água passa para o estado sólido.
Nelas estão concentrados cerca de três quartos de toda a água doce do mundo. Atualmente, elas estão localizadas, grande parte na Groenlândia e Antártica, mas também se concentram nas montanhas rochosas da América do Norte, nos Alpes na Europa, nos Andes na América do Sul e em alguns picos na linha do equador.
São 75% das águas de todo o planeta, que fazem parte de um ciclo, que pode não afetar o mundo inteiro, mas pode transformar regiões inteiras que trazem consequências gigantes. As moléculas viajam das montanhas para os rios e lagos, abastecem cidades, estados e países, como é o caso dos Andes e da Amazônia.
Carlos Cerqueira, especialista em meio ambiente e professor da ESEG, explica que no Brasil pode até não ter neve, mas toda a água do rio Amazonas vem delas, nas cordilheiras: “Se todo o gelo de lá derreter, o rio secará e a região virará um deserto, além de diminuir a umidade no Sudeste”.
O estudo do Instituto de Ciências biológicas da UFG, liderado pelo professor Thiago Rangel, e publicado pela revista Science, apresentou um modelo que permite averiguar algumas hipóteses e explicações sobre a biodiversidade na América do Sul. Isso foi possível ser realizado com dados climatológicos de 800 mil anos em 8 ciclos de glaciação.
A conclusão que os pesquisadores chegaram é de que os Andes e a Amazônia são uma combinação única que permite a migração das espécies em busca de refúgio durante as oscilações climáticas. Então, ficariam nas cordilheiras em épocas mais quentes da floresta e vice-versa.
Assim como a Amazônia, as outras regiões que acumulam geleiras, também tem um ciclo único, que mantém espécies de animais e vegetação.
O derretimento
O mundo está mais quente. Segundo o estudo do IPCC, a temperatura na Terra aumentou em 1,5ºC. Parece pouco para um dia de verão com piscina e protetor solar, mas e nas áreas onde o estado da água depende da temperatura?
Carlos Cerqueira também lembra que na Antártida, por exemplo, a temperatura já chegou a 10ºC, o que é alarmante se pensar que o gelo derrete a partir de 0ºC. “Então, se a temperatura continuar subindo nessa velocidade, o gelo derreterá mais rápido do que se forma e não teríamos mais as geleiras ali”, explicou o professor.
Muitas pessoas encaram esse derretimento apenas como um sinal de que o nível do mar aumentaria. O que de fato já ocorre, segundo o site Climate Change da Nasa, são 3,3 milímetros a mais por ano e as principais causas estão relacionadas ao aquecimento global, que tem como consequência o derretimento das geleiras e a expansão da água do mar a medida que é aquecida.
Esse crescimento do nível do mar pode levar cidades inteiras ao desaparecimento. No ano passado, Veneza, já entrou em estado emergencial, com 85% da cidade inundada. No Brasil, também existiram alguns episódios em que o mar invadiu a areia da praia e molhou os turistas.
Segundo o Laboratório de Marés e Processos Temporais Oceânicos (Maptolab) do Instituto Oceanográfico (IO) da USP, o nível do mar brasileiro cresce 4 milímetros por ano, desde 1980. Porém, não apenas podemos migrar para uma vida fugindo das inundações, mas também pode mudar completamente o clima de microrregiões entre outras consequências que são fatais para a existência de vida na Terra daqui a 200 anos.
O que causa o derretimento das geleiras?
Um dos maiores vilões resultado da ação humana é a principal causa: o aquecimento global. O principal problema continua a ser a emissão de gás carbônico, que causa o Efeito Estufa e sua emissão é amplificada pelo consumo de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás). Existe a sua produção natural, que aquece o planeta nesse fenômeno natural para que se torne habitável, porém é apenas 1% do gás da atmosfera.
Quando existe a intensidade da produção pelas mãos do homem, a situação complica, com um aumento artificial.
Segundo Carlos Cerqueira, 80% de toda a energia gerada no mundo atualmente vem desses elementos, por isso se discute tanto a substituição por energias mais limpas. Ele também contou um pouco sobre um assunto que é sensível, por ser culturalmente aceito, porém, que precisa de atenção: o consumo da carne.
Outro gás que tem afeta no aquecimento é o metano, produzido basicamente pela fermentação anaeróbica de animais pecuários.
“O problema começa quando existe uma produção de carne bovina que excede o consumo consciente. O que é compreensível, já que quando existe uma melhora das condições de vida, a pessoa tende a comer mais carne”, diz o professor.
Além da liberação do metano, para ter uma criação de gado também é necessário o desmatamento de grandes regiões para que virem pastos. A grande questão aqui é um consumo mais consciente sobre quais tipos de alimentos impactam menos no meio ambiente, como alternativas mais sustentáveis de criação, que são galinha e porco.
Com o aquecimento global, a mudança climática fica nítida no derretimento das geleiras, principalmente no Ártico, local mais perceptível.
Existe uma meia verdade que tenta refutar esse alarme científico, o uso dos ciclos de Milankovitch. De acordo com esse estudo, as variações climáticas são parte da evolução do planeta, devido a diversos parâmetros naturais, como a distância do sol entre outros fatores.
Existem registros de dados coletados em regiões costeiras de 120 anos, com informações de temperatura. “Porém uma análise do clima, só faz sentido com escalas de tempo muito maiores.
Para fazer isso é necessário coletar uma camada profunda, cada uma representa uma idade muito específica da Terra e cada buraquinho a quantidade de gás carbônico do período”, explica o professor Carlos Cerqueira.
Então, há 150 mil anos existe um processo natural na atmosfera que atinge um pico da emissão e por consequência a oscilação na temperatura para mais alta. Só que os cientistas observaram que nos últimos séculos essa taxa aumentou muito, o que não fez sentido no estudo do processo de ciclos do planeta. Essa elevação da emissão dos gases e da temperatura em mais de 1ºC demonstra que a causa não é natural, mas, sim, humana.
Mas quais são as consequências disso?
A previsão das consequências são para um futuro longínquo, pode ser 60 ou 200 anos para frente, mas com certeza são resultados catastróficos.
A Terra esquentou, mas a causa disso não é só o aumento da temperatura em determinadas regiões, mas o resfriamento em outras. A água tem um impacto muito grande no clima, ela atua como reguladora regional. Como não consegue se deslocar por muitas distâncias, alguns lugares podem ficar muito úmidos ou secos e frios ou quentes.
O derretimento dos gelos que estão em terra , além do fato de que a água se expande com uma temperatura maior, “gera um aumento do nível do oceano e toda a costa poderá ser afetada, como ocorreu em Veneza no ano passado”, explica Carlos Cerqueira.
Além do desastre para as cidades costeiras, quando água doce é despejada no mar, ele diminui a salinidade, e a densidade também é alterada. Conforme a temperatura aumenta, o mesmo ocorre com o vapor. “Isso afeta as correntes marítimas, que podem mudar seu curso e percorrer outros caminhos”, afirma o professor da ESEG. Assim como na Europa com a corrente do Golfo, elas são responsáveis pelo clima em muitos países.
Os seres humanos podem até se adaptar em um novo cenário, igual aos filmes pós apocalípticos. Porém e a fauna e flora? Então, a grande questão de tudo isso, no fim, é: o quanto você se importa com o futuro do planeta? “Para mudar esse cenário é necessário repensar o consumo e torná-lo mais consciente, com uma série de ações conjuntas”, explica o professor Carlos Cerqueira.