No dia 12 de junho, o Brasil se une à mobilização mundial pelo fim do trabalho infantil. Mas, apesar dos compromissos assumidos internacionalmente, os dados mais recentes expõem uma realidade alarmante: 1,9 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos estão trabalhando no país, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C) de 2022. O número representa um aumento de 7% em relação a 2019 e confirma o cenário de regressão na garantia de direitos básicos à infância.
Do total, 39,8% (cerca de 756 mil) estavam em ocupações classificadas como piores formas de trabalho infantil, atividades perigosas, insalubres, proibidas por lei ou degradantes. Crianças negras e pardas são as principais vítimas, compondo 66,3% do total, com renda familiar média significativamente inferior à das crianças brancas.
A infância brasileira continua sendo interrompida pela pobreza, pela negligência do Estado e pela ausência de fiscalização. Dados mais recentes apontam 1,6 milhão de crianças e adolescentes em situação de trabalho precoce, muitas delas invisíveis nas periferias urbanas, em áreas rurais, no comércio informal ou em serviços irregulares, completamente fora das redes de proteção social.
Apesar da gravidade, o Estado segue falhando no seu papel fiscalizador. Hoje, o Brasil conta com apenas um auditor-fiscal do trabalho para cada 33 mil trabalhadores, número mais que o dobro do limite máximo recomendado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que orienta um fiscal para cada 15 mil trabalhadores. O resultado é uma fiscalização fragilizada, desestruturada e incapaz de alcançar os territórios mais vulneráveis, onde a exploração de crianças se intensifica sob o manto da informalidade.
Colapso Institucional
A Comissão de Aprovados do Concurso Nacional de Auditor-Fiscal do Trabalho de 2024 denuncia esse colapso institucional e cobra do governo federal a nomeação imediata dos 1.800 aprovados, prontos para entrar em campo e enfrentar esse cenário. Segundo estudo da própria Comissão, a medida custaria R$ 549 milhões por ano, mas geraria R$ 1,15 bilhão em arrecadação, somente com ações fiscais relacionadas à formalização de vínculos e recuperação de valores devidos, como o FGTS.
“Não há mais tempo para omissão. Cada dia sem nomeações significa mais crianças exploradas, submetidas ao sofrimento e a violações que destroem o presente e o futuro delas. Não existe bravura em trabalhar aos 9 anos, não é bonito nem romântico. É exploração. E estamos prontos para combater isso, mas o governo precisa agir”, afirma Celso Henrique, representante da Comissão em Minas Gerais.
Em 2024, mais de 2 mil pessoas foram resgatadas em condições análogas à escravidão. Muitas eram crianças. A maior operação já realizada no país, a Operação Resgate IV, libertou 593 trabalhadores em 15 estados e no Distrito Federal – grande parte deles em situações de extrema vulnerabilidade, em carvoarias, lavouras, confecções clandestinas e obras irregulares.
“A omissão do governo perpetua a exploração e aprofunda as desigualdades. O Estado está negligenciando a própria capacidade de proteger. A fiscalização está em colapso e os mais pobres seguem pagando a conta”, alerta Pedro Lucas, representante da Comissão no Rio Grande do Sul.
A fiscalização atual, limitada e sobrecarregada, não consegue enfrentar a complexidade do problema. Entre os desafios, destacam-se o crescimento da urbanização do trabalho infantil, o aumento da exploração de migrantes e refugiados e a presença de crianças em trabalhos insalubres ou forçados em áreas rurais e urbanas. No Distrito Federal, estima-se que mais de 20 mil crianças e adolescentes estejam em situação de trabalho precoce, e o Ministério Público do Trabalho já recebeu 19 denúncias apenas em 2024.