De acordo com um relatório do Fórum Econômico Mundial, até 2050, as mudanças climáticas provocarão 14,5 milhões de mortes. E, em um cenário trágico como esse, a saúde dos idosos e das crianças estará particularmente em risco, como explica a pediatra, neonatologista e professora do curso de Medicina da Universidade Positivo Gislayne Souza Nieto.
“Os extremos de idade são mesmo os que mais sofrem porque, naturalmente, o corpo tem menos recursos para se defender e se adaptar no início e no fim da vida”, pontua. O relatório “The climate-changed child”, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) aponta para essa mesma conclusão, enumerando ao menos sete consequências diretas das alterações no clima para a vida dos pequenos.
A organização ainda ressalta que apesar de sua vulnerabilidade única, as crianças são ignoradas e amplamente negligenciadas na resposta às mudanças climáticas. Apenas 2,4% do financiamento climático dos principais fundos multilaterais apoiam projetos que incorporam atividades voltadas para as crianças. Para o relatório, essa negligência já está causando uma crise na garantia de direitos das crianças em todo o mundo.
Sete consequências das mudanças climáticas para a saúde das crianças
Em risco antes de nascer:
- Diversos estudos demonstram que o aumento das temperaturas é prejudicial para os bebês ainda durante a gestação. Um deles, publicado por Alan Barreca e Jessamyn Schaller na revista Nature em 2020, afirma que “evidências sugerem que a exposição ao calor aumenta o risco de parto para mulheres grávidas. A aceleração do nascimento leva a uma gestação mais curta, e pode ser associado posteriormente a saúde e a cognição”. Outro estudo, publicado por um grupo de cientistas na mesma Nature em novembro de 2024, analisou uma série de pesquisas científicas desenvolvidas em 66 países e chegou à conclusão de que as ondas de calor aumentam não apenas o risco de parto prematuro, como também de crianças nascidas mortas, anomalias congênitas e diabetes gestacional, bem como de complicações obstétricas.
Doenças:
- “Doenças letais na infância estão se espalhando mais devido à degradação do meio ambiente e às mudanças climáticas”, afirma o relatório do Unicef. De fato, a maior frequência de eventos como enchentes e alagamentos pode causar um aumento no número de casos de viroses como dengue, zika e chikungunya. Isso acontece porque os mosquitos que servem de vetor para essas doenças precisam justamente de água para se desenvolver. Outras viroses, como as gastrointestinais, também podem aumentar nessas condições.
Desnutrição:
- Segundo o documento do Unicef, as mudanças climáticas também têm impacto na nutrição das crianças. Safras menos abundantes, com perdas causadas por eventos climáticos extremos, como ondas de calor e chuvas mais frequentes e volumosas, fazem subir o preço dos alimentos, o que é determinante para que um sem número de crianças e adolescentes passem a ingerir uma menor quantidade e variedade de nutrientes. “A nutrição é extremamente importante para o desenvolvimento infantil, principalmente nos mil primeiros dias de vida. A falta de acesso a uma nutrição equilibrada, com todos os grupos alimentares, pode causar prejuízo até mesmo para o desenvolvimento cognitivo das crianças”, diz a pediatra.
Temperatura corporal:
- Uma consequência direta das ondas de calor para a saúde dos pequenos é o fato de que o organismo infantil não é capaz de regular a temperatura corporal e, por isso, torna-se mais propenso à desidratação. “Os bebês, principalmente os mais novos, não transpiram como os adultos. Como resultado, eles podem ter até mesmo uma falência de órgãos importantes como os rins”, alerta Gislayne.
Poluição:
- Bebês também têm a respiração muito acelerada, em comparação aos adultos. Isso significa que eles ficam mais vulneráveis à poluição do ar. Isso leva diretamente ao aumento nos registros de doenças respiratórias, como asma, rinite e alergias entre as crianças.
Educação:
- O Unicef aponta, ainda, outras consequências diretas dessas alterações para o desenvolvimento infantil. Uma delas diz respeito à educação. “40 milhões de crianças têm seus estudos interrompidos todos os anos devido a desastres naturais que são agravados pelas mudanças climáticas e esse número segue crescendo”, aponta o relatório. Exemplos disso não faltam. No início de 2025, uma onda de calor que atingiu o Rio Grande do Sul adiou a volta às aulas na rede estadual de ensino, prejudicando cerca de 770 mil estudantes.
Saúde mental:
- Além disso, o calor extremo também vem sendo associado a problemas de saúde mental em crianças e adolescentes, entre eles depressão e transtorno do estresse pós-traumático, como destaca o relatório do Unicef. A organização assinala, ainda, que “apesar de sua vulnerabilidade única, as crianças vêm sendo ignoradas ou amplamente negligenciadas na resposta às mudanças climáticas. Apenas 2,4% do financiamento climático dos principais fundos multilaterais apoiam projetos que incorporam atividades voltadas para as crianças”. Para o relatório, essa negligência já está causando uma crise na garantia de direitos das crianças em todo o mundo, e recomenda: “As crianças devem estar no centro da resposta global”.